05 março 2014

Sobre o direito do cidadão ser ouvido

Audiência Pública na Câmara Municipal sobre corte de árvores
no entorno do Gasômetro - 18/3/2013 - Ederson Nunes/CMPA
Porto Alegre tem um histórico de participação popular reconhecido em muitos lugares, não apenas no Brasil.
Em 1989 foi implantado o Orçamento Participativo (OP), uma proposta de discussão pública do orçamento municipal e dos recursos para investimento. Atualmente diversas cidades já utilizam o OP para discutir o orçamento e prioridades do município, do ponto de vista da população.

Em 2001 aconteceu o primeiro Fórum Social Mundial, aqui em Porto Alegre. O Fórum Social Mundial (FSM) é um evento altermundialista organizado por movimentos sociais de muitos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global. Seu slogan é Um outro mundo é possível.


Una discusión histórica y a la vez de última hora es preguntarse si hay una utopía implícita en la idea de combatir la globalización. ¿Es posible otro mundo? Durante el Quinto Foro Social Mundial de Porto Alegre, el Comité de Celebración del IV Centenario del Quijote llevó a discutir el tema a personalidades como Federico Mayor Zaragoza, José Saramago, Ignacio Ramonet y Eduardo Galeano

Na Marcha de Abertura do Fórum Social Mundial de 2010

Em 5 de junho de 2006, nossa cidadania conseguiu que uma pequena rua arborizada de Porto Alegre - Rua Gonçalo de Carvalho - fosse declarada Patrimônio Histórico, Cultural, Ecológico e Ambiental da cidade. Foi o primeiro caso de uma via urbana ser declarada Patrimônio Ambiental em uma cidade da América Latina, talvez do mundo.
Carta aberta à população em 18/10/2005

Ato na Rua Gonçalo de Carvalho em 15/10/2005
Os defensores da Rua Gonçalo de Carvalho exigiram nova Audiência,
agora com a presença de moradores da rua e ambientalistas. Foto PMPA

Em 23 de agosto de 2009, após longa polêmica, a cidadania de Porto Alegre teve mais uma importante vitória: a vitória do Não ao Pontal do Estaleiro, após uma consulta pública onde 80,3% dos votantes disseram NÃO a um grande empreendimento imobiliário na Orla do Guaíba.
Amigos da Gonçalo pediram o voto no NÃO ao Pontal
Foi pedido um referendo, mas a prefeitura concedeu uma viciada "consulta pública", sem obrigatoriedade de voto e sem espaços para propaganda eleitoral para ambos os lados, porém a grande mídia sempre destacava o "progresso" que o empreendimento representaria para a cidade.



Usando as redes sociais, listas de e-mails, manifestações públicas com distribuição de panfletos conseguimos que a imensa maioria de pessoas que saíram de casa para votar, votassem contra os espigões na Orla.
Apuração da "Consulta do Pontal", com a grande vitória do NÃO
Foto: Cesar Cardia/Amigos da Gonçalo de Carvalho

Muitos ainda tem esperanças de serem ouvidos nas "Audiência Públicas", muitas delas realizadas na Câmara Municipal de Porto Alegre. Isso serve quase nada, pois por não serem deliberativas, servem apenas para dar conhecimento à população, que normalmente reage com argumentos discordantes que o executivo, o legislativo e empreendedores simplesmente não dão a mínima importância.

Nas Audiências Públicas na Câmara Municipal
os questionamentos não são respondidos. Foto de Cíntia Barenho em 2009

Agora, é hora de Porto Alegre seguir o exemplo de Montreal, Canadá. Precisamos criar uma entidade de Consultas Públicas em nossa cidade!
Mas, Consultas Públicas sérias, reguladas por lei e sem ingerência partidárias.
Solicitados a explicarem melhor como funcionam as Consultas Públicas de Montreal, recebemos o seguinte documento - em português - do Escritório de Consultas Públicas de Montreal. Já é um bom ponto de partida:
Primeira página do documento de Montreal

ENTIDADE DE CONSULTA PÚBLICA DE MONTREAL
(Office de consultation publique de Montréal)
Criada em 2002 através da inserção de disposições específicas na Carta constitutiva da cidade de Montreal, adotada pela Assembleia Nacional do Québec, que garante que, independentemente das mudanças políticas na direção do município a existência da Entidade é protegida.

MANDATO
A ECPM procede a consultas públicas relativas a projetos que lhe são confiados pelas autoridades municipais.
‐ A maioria dos mandatos diz respeito ao estudo de projetos de modificação às normas urbanísticas, de forma a permitir a realização de projetos imobiliários de envergadura tais como hospitais, campus universitários ou grandes projetos residenciais promovidos pelo município ou pela iniciativa privada. Nestes casos, é efetuado um exame completo da regulamentação urbanística assim como dos projetos específicos.
‐ Organização de consultas públicas sobre projetos de políticas municipais.

NEUTRALIDADE
A ECPM procede a todas as consultas sem nenhum interesse específico nas questões examinadas, o que garante uma neutralidade total.

ESTRUTURA INTERNA
A presidência da ECPM é nomeada pela Prefeitura com o voto favorável de pelo menos dois terços dos vereadores.
Os comissários que participam ou presidem às comissões são selecionados da mesma forma que a presidência. Atualmente cerca de 25 comissários estão ativos.

FUNCIONAMENTO
Logo após a receção de um mandato, a presidente designa os comissários responsáveis da comissão, depois de se assegurar que estes não estão ligados, mesmo indiretamente, a interesses envolvidos no projeto. (Um código de ética muito restrito deve ser assinado por todos os comissários).
A comissão é apoiada por uma equipa de analistas do secretariado e inicia os trabalhos.
Em primeiro lugar a comissão pede à Prefeitura toda a documentação relativa ao projeto (regulamentação urbanística, planos, esboços do projeto, estudos de impacto, etc.).
Depois da coleta de informações um aviso é publicado nos jornais e o conjunto da documentação é posto à disposição dos cidadãos em lugares determinados, assim como no nosso site.
Duas semanas após o inicio da consulta, é organizada uma assembleia pública durante a qual:
‐Responsáveis da prefeitura e promotores apresentam o projeto;
‐Período de perguntas da parte dos cidadãos e grupos presentes.
Caso no final haja ainda perguntas a sessão continua no dia ou dias seguintes.
Todas as sessões são registadas em notas estenográficas que são imediatamente inseridas no site Internet, facultando assim a acessibilidade da informação a todos.
Depois de reunidas todas as respostas e informações, a comissão procede a um estudo detalhado do projeto assegurando‐se que todas os aspetos são bem compreendidos por todos os intervenientes. (As opiniões dos cidadãos e grupos podem ser expressas por escrito ou verbalmente nas semanas seguintes à consulta – todos os memorandos e opiniões são publicados no site).
Os comissários, ao longo de todos estes trâmites examinam o projeto à luz das questões e das opiniões dos cidadãos assim como das disposições do plano de urbanismo e das orientações contidas nas grandes políticas da cidade de Montreal.

RELATÓRIOS
Os relatórios são elaborados tendo em conta as políticas, estratégias e planos municipais que definem o plano de desenvolvimento da cidade. São tidos em conta as várias políticas, estratégias e planos municipais impregnados das grandes orientações que vão influenciar o planeamento do território, com pressupostos favoráveis ao desenvolvimento sustentável, à criação de bairros dinâmicos, a um centro da cidade forte e transportes coletivos enquanto rede estruturante e portadora da organização espacial e de mistura social.
Todos os projetos submetidos são analisados, para que o exame público das questões submetidas faça parte de um processo global que vise facilitar a tomada de decisão dos eleitos assim como assegurar‐se da conformidade dos grandes projetos de desenvolvimento.
Todos os relatórios são públicos e contêm várias recomendações, mas as decisões finais pertencem aos eleitos.

CONSULTA PÚBLICA
O nosso trabalho permite reconstituir uma série de impactos apreendidos a partir de um saber prático dos cidadãos ou de uma perícia especial adquirida por diferentes grupos da sociedade civil. É um exercício de visão global que se adiciona aos conhecimentos do promotor e da Administração Municipal.
Para que a consulta pública seja um sucesso ela deve ser feita nas melhores condições de transparência, credibilidade e eficácia.
Trata‐se de um processo que se desenvolve num clima de respeito mutuo em que os cidadãos aceitam dar a sua opinião e os que têm que tomar decisões se deixam influenciar. É pois um procedimento frágil em que as condições de sucesso têm que ser constantemente renovadas.